segunda-feira, 13 de julho de 2009

Enxurrada - Luciana Pessanha Pires



Enxurrada
Tivesse coragem mudaria o rumo, seria a mulher virtuosa de provérbios, cumpriria meus votos, não iria vistoriar a volta do pé de ninguém, nem iria rodar a baiana quando pisassem no meu calo, usaria mais eufemismos e a quem me pedisse a capa eu daria, mas eu não dou minha cara a tapa e sempre tenho algo a falar em qualquer reunião, é chato sempre ter algo a falar, mais chato ainda é nunca ter nada a ser dito.Gosto de boas intenções, tenho tantas boas intenções, se fosse planta e vingasse daria um jardim imenso, infelizmente muitos planos se perdem, meu curso de fotografia sempre adiado, um rosário de decisões para viver amanhã, tempo perdido com inutilidades.Pessoas fora do seu estado normal são divertidas, eu fico assim se me obrigam a engolir sapos, se convivo por muito tempo com gente cheia de pose, ou com gente com cara de enterro, pior ainda se for com gente paroleira que desaba-se em perguntas cretinas sobre o peso, a careca, o casamento que ainda não aconteceu, a gravidez um pouco demorada, o divórcio, a morte de algum familiar ou qualquer outra perguntinha cercada de veneno.Incrível como pessoas podem se especializar em inconveniências, a lista seria numerosa, não vale a pena desfiá-la, melhor puxar outros fios, novelos cheios de cores, como minha paixão por cachoeiras, margaridas e lírios do campo, histórias lidas de trás para frente, poemas, tardes contemplativas em algum café, chá de capim limão, rede, boas risadas com os amigos, um fio de conversa que dura uma noite inteira e não se acaba, uma taça de vinho, um sarau, um recadinho na secretária eletrônica, alguns luxos em forma de abraços, massagens, toques nos cabelos, um aproveitamento verdadeiro dessa vida, que se traduz em confiança.Se alguém confia em mim, pronto, sou um cão fiel. Falta de respeito eu não admito, chutar cachorro morto não faço, gosto de brigar com quem esteja em pé, mas tem quem bata e depois se agache, isso me dá uma raiva! Ainda bem que passa logo que não vou virar um saco de amargura, não eu que aprecio cores fortes, que dos embates da vida e da velhice não tenho medo, só quero mais que viver, quero existir, existir a contento.(Luciana Pessanha Pires)

Um comentário:

  1. minha amiga que crônica bacana , gostaria de tê-la escrito, mas minhas palavras não seria tão apropriadas. Tens o dom Luciana, adorei, parabéns !
    abraços de leituras aprendizagem crescente e constante

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