segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Por que não uso uma cadeira de rodas, gente -Maria Lindgren

Por que não uso uma cadeira de rodas, gente

O dia fatidico chegara manso. Um céu tinindo de azul, sem nenhuma pincelada branca a lhe conspurcar a uniformidade da cor apareceu bem cedinho, junto ao horário de verão. Em plena primavera.

A manhã corria e tostava os corpos que se despojavam das recomendações contra o sol depois das dez da manhã e se entregavam à ardência gostosa na pele. Os outros, coitados, sofriam os 35 graus inesperados, o suor a lhes escorrer pelo corpo. Tinham que cumprir o dever diário, sonhar com um final de semana digno de pegar uma cor daquelas. Fosse para relaxar, fosse para vender petiscos na areia.

Para Lucia, o dever se impunha talvez mais porque só tinha um único dia, marcado para executar o comando do governador: só receberia seus proventos de aposentada se fosse em pessoa no SEU dia. Não fora a cadeira de rodas, acrescida da presença da filha, não escaparia do destino dos portadores de necessidades especiais: esquecimento ou desprezo.

Nas vésperas da obrigação começava a faina: localizar motorista e taxi, pedir de joelhos – quem podia se ajoelhar, é claro – a Seu Aristides que lhe reservasse a manhã.

- Não posso faltar, viu Seu Aristides? Só mesmo o senhor pode me atender nesta situação difícil. Vai dar um trabalhão.

Com antecedência, Marcia avisou no trabalho a sacralização da data: 26 de outubro de 2011. Impossível deixar a mãe se virar sozinha. Seria necessário armar e desarmar a cadeira de rodas, colocar as pernas da senhora dentro do carro com o maior cuidado – qualquer pancadinha lhe fazia uma mancha roxa, além da dor crônica dos noventa anos quase. Depois, era tocar para a Cidade Nova, à procura de um local sem pressa de despejar passageiro, o que é uma parada no Rio de Janeiro atual.

O chofer, acostumado à Zona Sul, errou todas as saídas e entradas, deu meia dúzia de voltas para, finalmente, chegar à porta de um enorme galpão e perguntar se era lá que se processava a transação complexa de mudar de banco.

Ao saber que mais de sessenta mil servidores tinham a mesma obrigação, o homem apelou para a cadeira de rodas de sua cliente mais antiga. Não sem antes percorrer uns cem metros para chegar a um dos atendentes, todos com sotaque de paulista. Estranhou sobretudo os erres, sem saber que banco é negócio de paulista, não de carioca, pois até o pobre do BANERJ há muito se havia acabado por privatização insensata.

Depois de andar para cá e para lá, observando várias mesinhas e cartazes de boas-vindas ao mais completo banco de nossa terra, soube que a primeira fila, logo na entrada, era para cadeirantes e outros deficientes físicos. Percebeu a cena pungente de uma senhora a se arrastar no meio de duas outras, todas bufando de calor e desespero; deu graças aos céus pela cadeira de sua cliente.

Acostumado ao ir e vir a pé ou de carro, Seu Aristides correu ao portão de entrada e avisou à D. Lucia que era sopa fazer a transação. A pobre senhora, cansadíssima, conseguiu, no entanto, mostrar uma imitação de sorriso. Passou para a cadeira com mais esperança, foi conduzida pela filha até um balcão com duas atendentes simpáticas, elegantes, apesar do preto da moda discordar da canícula. Verdade que o clima era amenizado pelo ar condicionado.

Mais uns minutinhos e a aposentada de muitos anos receberia a honra de estar na mais requintada agência do tal banco repleto de regalias.

Meia hora de desce pernas ajeita cadeira, carrega corpo, assenta trazeiro e costas, carros apinhados na rua, buzinas frenéticas, vendedores de água e refrigerante – por que não um sanduiche? – e Lucia empurrada pela filha apenas: motorista tinha que ficar dentro do carro para não perder a vez, conforme explicara o guarda de trânsito, um maníaco por apito estridente.

Chão repleto de impecilhos, a título de decoração, superados pela astúcia de Marcia, habituada a sofrer nas vias comuns da cidade, terminava numa porta bem larga, graças a Deus, em algumas poltronas superconfortável bem branquinhas, não para D. Lucia, para os normais e, afinal, o balcão especial. Depois, explicações aos montes, das quais a metade ninguém entendia, mais uma ou duas caminhadas a outros balcões para os últimos esclarecimentos, uma pasta obesa de propagandas e mimos para os clientes, o reconhecimento eletrônico da palma trêmula da senhora, requinte do novo status... Pronto, de volta ao lar.

A essa altura, eram quase quatro horas da tarde e o trânsito começava a engrossar, fazer arder corpos e miolos.

- Né possível, Seu Aristides! Não são nem cinco horas. Essa gente vem de onde? O rush nem começou ainda, gritou Marcia para o impotente condutor do veiculo que não se mexia, comoos demias.

- Calma, D. Marcia! É assim mesmo. Só penso como vai ser o Ano da Copa nesta cidade que não aguenta tanta gente, tanto carro. D. Lucia nem vai poder dar sua voltinha até à praia. O calçadão vai ficar danado.

- Eu acho que vamos passar uns três meses numa cidade do interior para ouvir apenas os ecos da Copa pela televisão. Muita gente está pensando nisso, acescentou Marcia.

D. Lucia, boca não diz mais palavra, dormitava no arzinho artificial do taxi. Bem que no fundo pensava na imbecilidade de obrigar deficientes físicos a se locomover de suas casas. Logo um banco tão bacana! Talvez por isso mesmo: gente rica não sabe dessas coisas. Anda de helicóptero.

Mas eu acho que para mim seria ainda bem pior esse dia fatídico. Sinto dor no corpo todo e tenho que enfrentare tudo a pé. Quando não me estatelo no chão. Ah! Deus meu! Por que não tenho uma cadeira de rodas?                  
Maria Lindgren Colunista do Portal VMD - http://www.vaniadiniz.pro.br/

sábado, 29 de outubro de 2011

Pagã - Samhain, Hallow Evening , All Hallows' Eve...Halloween

Vassoura - símbolo do poder feminino,
capaz de limpar as energias negativas

Pagã -virínia fulber * além mar




Na colina vestida de bruma num
contentamento transparente,
de lábios úmidos, língua solta,
queixo esculpido, redondo, como
o é queixo no prazer.




Por suas mãos escorre e acolhe ervas
devolvendo em poções à terra ardente coração .
Feiticeira não teme fogueira e usa caldeirão .
O caminho conhecido, vai e vem
entre os mundos insuspeitos.


Cada dia uma vida reinicia.
No calar não consente.
Respeita o ritmo calmo da terra mãe.
Mirando Lua, Terra e Céu em fluxo cósmico
entrega-se à poésis.


No décimo mês, Maga descortina-se
em clarividência, essência do eterno retorno.
Sem esquecimento, encolhimento
abraça o Espírito em casamento !


Dançam fagulhas, estigmas do fogo que
ao sol retorna , incandescente ternas no
baile das flores ao desabrochar !
“Bruxa”, atenta escuta constante hino;
vento do peito;


Verte do órgão do Templo Universal
os sons que  a embalam em dança.
Feiticeira*, dum silêncio fecundo,ergue-se por
seus lábios úmidos um pássaro chamado Alegria.


Esta ave vem libertar sua criatura do castigo,
rancor, culpa e preconceito.
Pagã, afirmando a vida, devolve à terra
o que a ela pertence ; carga,
feixe de lenhas à fogueira amiga.


Fêmea outrora perseguida,
ora sua intuição à flor da pele
alia suas asas à da Poesia!
                                           *-*

* A feiticeira é a antítese da mulher idealizada, símbolo das energias criadoras instintuais, não domesticadas e não disciplinadas precisa ser ouvida. A integração desta sombra traz de volta a mulher selvagem, que segue seu instinto de preservação, que possui sua energia vital, sexual, que fareja o perigo, que intui a cura e sabe o que a alma está pedindo, que sabe aplacar o sofrimento e pode transmitir o dom da vida.- Clara Rossana Ferraro de Sá em DAS BRUXAS À PSICOLOGIA*                 Publicado no Recanto das Letras 29/10/2011

                      Código do texto: T3304889 - http://www.recantodasletras.com.br/poesias/3304889


                                                         *-*
A origem do halloween remonta às tradições dos povos que habitaram a Gália e as ilhas da Grã-Bretanha entre os anos 600 a.C. e 800 d.C.. Originalmente, o halloween não tinha relação com bruxas. Era um festival do calendário celta da Irlanda, o festival de Samhain, celebrado entre 30 de outubro e 2 de novembro e marcava o fim do verão (samhain significa literalmente "fim do verão").

...Entre o pôr-do-sol do dia 31 de outubro e 1° de novembro, ocorria a noite sagrada (hallow evening, em inglês), acredita-se que assim se deu origem ao nome atual da festa:Hallow Evening → Hallowe'en → Halloween. Rapidamente se conclui que o termo "Dia das bruxas" não é utilizado pelos povos de língua inglesa, sendo essa uma designação apenas dos povos de língua (oficial) portuguesa.

Há hipótese de que a Igreja Católica tenha tentado eliminar a festa pagã do Samhain instituindo restrições na véspera do Dia de Todos os Santos. Este dia seria conhecido nos países de língua inglesa como All Hallows' Eve. (Vigília de Todos os Santos).
A relação da comemoração desta data com as bruxas propriamente ditas teria começado na Idade Média no seguimento das perseguições incitadas por líderes políticos e religiosos, sendo conduzidos julgamentos pela Inquisição, com o intuito de condenar os homens ou mulheres que fossem considerados curandeiros e/ou pagãos. Todos os que fossem alvo de tal suspeita eram designados por bruxos ou bruxas, com elevado sentido negativo e pejorativo, devendo ser julgados pelo tribunal do Santo Ofício e, na maioria das vezes, queimados na fogueira nos designados autos-de-fé. ( ver mais in http://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_das_bruxas

-Virgínia Fulber, Novo Hamburgo RS BR- escrito em 2004 – revisado 2011 -vicamf@yahoo.com.br

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

L.Boff-Como lidar com os anjos e os demônios interiores

Canal de Filosofia Portal VMD - Colaboradores-(coordenado Por Virgínia Fulber)
Como lidar com os anjos e os demônios interiores -Lenardo Boff
Convido-os a ler os demais autores ( Filósofos colaboradores deste Canal )



O ser humano constitui uma unidade complexa: é simultaneamente homem-corpo, homem-psiqué e homem-espírito. Detenhamo-nos no homem-psiqué, vale dizer, no seu mundo interior, urdido de emoções e paixões, luzes e sombras, sonhos e utopias. Como há um universo exterior, feito de ordens-desordens-novas ordens, de devastações medonhas e de emergâncias promissoras, assim há também um mundo interior, habitado por anjos e os demônios. Eles revelam tendências que podem levar à loucura e à morte e energias de generosidade e de amor que nos podem trazer autorealização e felicidade.


Como observava o grande conhecedor dos meandros da psiqué humana C.G. Jung: a viagem rumo ao próprio Centro, devido a estas contradições, pode ser mais perigosa e longa do que a viagem à Lua e às estrelas.

Há uma questão nunca resolvida satisfatoriamente entre os pensadores da condição humana: qual é a estrutura de base de nossa interioridade, de nosso ser psíquico? Muitas são as escolas de intérpretes.

Resumindo, sustentamos a tese de que a razão não comparece como a realidade primeira. Antes dela há todo um universo de paixões e emoções que agitam o ser humano. Acima dela há inteligência pela qual intuimos a totalidade, nossa abertura ao infinito e o êxtase da contemplação do Ser. As razões começam com a razão. A razão mesma é sem razão. Ela simplesmente está aí, indecifrável.

Mas ela remete a dimensões mais primitivas de nossa realidade humana das quais se alimenta e que a perpassam em todas as suas expressões. A razão pura kantiana é uma ilusão. A razão sempre vem impregnada de emoção e de paixão, fato aceito pelo moderna epistemologia. A cosmologia contemporânea inclui na idéia do universo não apenas energias, galáxias e estrelas mas também a presença do espírito e da subjetividade.

Conhecer é sempre um entrar em comunhão interessada e afetiva com o objeto do conhecimento. Apoiado por uma plêiade de outros pensadores, tenho sempre sustentado que o estatuto de base do ser humano não reside no cogito cartesiano (no eu penso, logo sou), mas no sentio platônico-agostiniano (no sinto, logo existo), no sentimento profundo. Este nos põe em contacto vivo com as coisas, percebendo-nos parte de um todo maior, sempre afetando e sendo afetados. Mais que idéias e visões de mundo, são paixões, sentimentos fortes, experiências seminais, o amor e também seus contrários, as rejeições e os ódios avassaladores que nos movem e nos põem marcha.

A razão sensível lança suas raizes no surgimento da vida, há 3,8 bilhões de anos, quando as primeiras bactérias irromperam e começaram a dialogar quimicante com o meio para poder sobreviver. Esse processo se aprofundou a partir do momento em que surgiu o cérebro límbico, dos mamíferos, há mais de 125 milhões de anos, cérebro portador de cuidado, enternecimento, carinho e amor pela cria. É a razão emocional que alcançou o patamar autoconsciente e inteligente com os seres humanos, pois somos também mamíferos.

O pensamento ocidental é logocêntrico e antropocêntrico e sempre colocou sob suspeita a emoção por medo de prejudicar a objetividade da razão. Em alguns setores da cultura, criou-se uma espécie de lobotomia, quer dizer, uma grande insensibilidade face ao sofrimento humano e aos padecimentos pelos quais tem passado a natureza e o planeta Terra.

Nos dias atuais, nos damos conta da urgência de, junto com a razão intelectual irrenunciável, importa incluir fortemente a razão sensível e cordial. Se não voltarmos a sentir com afeto e amor a Terra como nossa Mãe e nós, como a parte consciente e inteligente dela, dificilmente nos moveremos para salvar a vida, sanar feridas e impedir catástrofes.

Um dos méritos inegáveis da tradição psicanalítica, a partir do mestre-fundador Sigmund Freud, foi o de ter estabelecido cientificamente a passsionalidade como a base, em grau zero, da existência humana. O psicanalista trabalha não a partir do que o paciente pensa mas a partir de suas reações afetivas, de seus anjos e demônios, buscando estabelecer certo equilíbrio e uma serenidade interior sustentável.

A questão toda é como nos assenhorear criativamente de nossa passaionalidade de natureza vulcânica. Freud se centra na integração da libido, Jung na busca da individuação, Adler no controle da vontade de poder, Carl Rogers no desenvolvimento da personalidade, Abraham Maslow no esforço de autorealização das potencialidades latentes. Outros nomes poderiam ser citados como Lacan, Reich, Pavlov, Skinner, a psicologia transpessoal e a cognitiva comportamental e outros.

O que nos é permitido afirmar é que, independentemente, das várias escolas psicanalíticas e filosóficas, o homem-psiqué se vê obrigado a integrar criativamente seu universo interior sempre em movimento, com tendências dia-bólicas e sim-bólicas, destrutivas e construtivas. Por acertos e erros vamos, processualmente, descobrindo nosso caminho.

Ninguém nos poderá substituir. Somos condenados a ser mestres e discípulos de nós mesmos.

LEIA MAIS NO Canal de Filosofia Espaço Ecos Portal VMD

com afeto, virgínia fulber * além mar poetinha





quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Poeta II -virgínia fulber *além mar -20 de Outubro dia do Poeta

Poeta -*virgínia fulber – além mar

Continue com tuas metáforas
Figuras de linguagem embelezam e
Amenizam tua solidão consciente
Esta que cultuas, que cantas e te faz rir
Poeta, aprecias a conquista do inconquistável.
Enquanto Poeta estás noutro plano
no plano dos que se libertaram e passam pela vida
Passam sem angústia da busca de preencher-se
com um outro, pois a tudo e a todos internalizas
através da alteralidade, sensibilidade, empatia...
Poeta te unificas e beatificas na sacralidade;
Sabendo-te pó, tudo e nada , livre para criar e recriar-te

Poeta observador de tuas próprias emoções
Buscas alívio e esvaziar-se do sofrido
e fugir de ti
Reinventando motivos para continuares pronto;
Âncora erguida, ao mar!
Tuas velas altivas são asas, arranham céu...
Poeta és ontológicamente navegante
Errante em miríades de sensações
De verso em verso buscas
conquistar o inconquistável;
Desifrar enigmas anímicos
e tocando a lira sem querer, encantas
e algo oculto no outro fio, tecido alcanças...

*outubro 011*

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Poeta -virgínia fulber *além mar -20 de Outubro dia do Poeta

Poeta -virgínia fulber *além mar

dançando em letras
pintando luar nas esquinas duras
ladrilhando nos desertos cortinas...


co moves


criando janelas, sacadas,
peitoris nas prisões...
arremessando sopros de liberdade...

co moves


brincando com Tempo-espaço
irreverente à pobreza janta à luz de velas
migalhas sobre o linho de lembranças inventadas


co moves


ternura e reverência o vestem
em gole d´água
o melhor vinho lhe basta

co moves


despedida, tristeza, doença
tudo é motivo de canto
feito pássaro seduz , arrepia , convida


por co moveres brindo-te
e à Poesia
ânimo sopro alegria !
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&
Publicado no Recanto das Letras em 20/10/2008-
Código do texto: T1238821

Ciranda em Homenagem ao Dia do Poeta 2008
http://www.tekanascimento.net/ciranda_homenagem_ao_dia_do_poeta_maria_thereza_neves.htm
em anexo EBOOK da Ciranda subra referida

Publicado na Coluna Considerações Portal VMD –
http://www.vaniadiniz.pro.br/virginia_fulber/index.htm

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O disfarce da força - Ivonil Parraz

O disfarce da força - Prof-Ivonil Parraz-Professor de Filosofia na Faculdade João Paulo II – FAJOPA (Marília/SP)
Colaborador do Canal de Filosofia Espaço Ecos PortalVMD
segue - Fragmento do Artigo

(...)Se na sociedade dos homens a força é que é justa, a justiça não é fortificada pela instituição das leis. Estabelecidas pela força, as leis não são a expressão concreta da verdadeira justiça. Mas se as leis, uma vez estabelecidas, são tidas como justas, é a força que é justificada. Justificando a força, a justiça passa a ser o seu disfarce.
No fragmento La 103; B. 298, intitulado "justiça, força", Pascal expõe o modo pelo qual a força passou a ser justificada.
É justo que o que é justo seja seguido; é necessário que o que é o mais forte seja seguido. A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica. A justiça sem força é contradita, porque sempre existem pessoas más. A força sem a justiça é acusada. É preciso, pois, colocar juntas a justiça e a força e, para isso, fazer com que aquilo que é justo seja forte ou que o que é forte seja justo. A justiça está sujeita à discussão. A força é bem reconhecível e sem discussão. Assim, não se pôde dar força à justiça, porque a força contradisse a justiça e disse que ela era injusta, e disse que era ela, a força, que era justa. E assim, não podendo fazer com que o que é justo fosse forte, fez-se com que o que é forte fosse justo.
Pascal inicia o texto sustentando que "é justo que o que é justo seja seguido; é necessário que o que é o mais forte seja seguido". Duas afirmações que se opõem. A justiça impõe a si mesma sem recorrer ao Ser e ao Bem. Ela não necessita de nenhum argumento, seja ele de utilidade ou de persuasão. Isto porque a justiça é justa por si mesma, por isso é justo segui-la. Não há graus na justiça como há na força. Não há um mais justo e um menos justo. Se é justo ou não. Há justiça ou não há. O que não é justo é injusto. "(...) A justiça e a verdade são duas pontas tão sutis que os nossos instrumentos são demasiados cegos para nelas tocar com exatidão. Se conseguirem, vão achatar-lhes a ponta e apoiar à volta toda mais sobre o falso do que sobre o verdadeiro (...)" (La 44; B. 82). A ponta da justiça não admite degraus que vão do injusto ao justo.
Enquanto a justiça impõe a si mesma, a força se impõe como uma necessidade física, mecânica, uma vez que sua qualidade é palpável: "essas tropas armadas que só têm mãos e força para os reis, as trombetas e os tambores que marcham à sua frente e essas legiões que os cercam fazem tremer os mais firmes (...). Eles têm a força" (La 44; B. 82). A aparição pública do rei é o momento em que ele manifesta a sua força. Todo o séqüito que o acompanha é signo de força. O povo, dominado pela imaginação e adestrado pelo costume, treme diante da exibição da força.
Enquanto não há graus na justiça, há graus na força: "é necessário que o mais forte seja seguido". Para que seja necessariamente seguido, o mais forte precisa manifestar sua força. Ao manifestar sua força, o mais forte oprime a força mais fraca. "As cordas que amarram o respeito de uns para com os outros em geral são cordas de necessidade; pois é preciso que haja diferentes graus, por quererem todos os homens dominar e nem todos o poderem, mas apenas alguns poderem (...)" (La 828; B. 304). A simples aparição pública do rei, manifestando a sua força, aniquila as outras forças. Aniquilação sem guerra, nem palavras. É a visão autêntica da qualidade palpável da força. Sua visão impõe o silêncio: "ela faz tremer os mais firmes".
"A justiça sem a força é impotente; a força sem a justiça é tirânica." A justiça não tem força, pois, ignorada no reino da concupiscência, ninguém é obrigado e ninguém se obriga a seguí-la. Seguí-la é justo simplesmente porque a justiça é justa. No reino da concupiscência, em que cada um visa aos seus próprios interesses, não há nenhum atrativo em ser justo. A justiça não recompensa ninguém pelo fato de ser justo. Não tendo a força, a justiça é, em si mesma, impotente: é um nada de força. A tirania, que é a força sem a justiça, é, por sua vez, o todo da força. Violência pura. A força sem a justiça traz consigo o desejo de ser a maior força, o desejo de aniquilar as outras forças. Quanto mais elevada for a maior força, mais as outras forças encontram-se aniquiladas. O tirano é aquele que deseja a destruição de toda outra força.
A tirania consiste no desejo de domínio universal e fora de sua ordem. Diversos compartimentos de fortes, de belos, de bons espíritos, de piedosos, dos quais cada um reina na sua parte, não noutra parte. E às vezes se encontram, e o forte se bate com o belo como tolos disputando quem terá o domínio do outro, porque o seu domínio é de gênero diverso. Não se entendem. E o erro deles está em querer reinar por toda parte. Nada o pode, nem mesmo a força: ela nada faz no reino dos sábios, ela só tem o domínio das ações exteriores (...). A tirania está em querer ter por um caminho o que só pode ter por outro (La 58; B. 332).
Pascal oferece duas definições de tirania, isto é, da força sem a justiça. A primeira a define como aquela que deseja dominar todas as outras forças, inclusive aquelas de outras ordens: ordem do espírito e ordem da caridade. A segunda a define como aquela que deseja ser reconhecida como a maior força pelas forças das outras ordens. A tirania é própria da ordem do corpo, uma vez que ela "só tem o domínio das ações exteriores", ela "nada faz no reino dos sábios". Duas definições de tirania que no fundo são a mesma coisa: desejo de aniquilar todas as outras forças e desejo de ser admirado e amado por esse domínio universal.
"A justiça sem força é contradita, porque sempre existem pessoas más." A justiça sem força, que se impõe por si mesma como justa, é contradita pelas pessoas más. Estas, que sempre existiram, contradiz a justiça por suas próprias ações. Ora, se as pessoas más se opõem à justiça, elas se impõem, por suas ações, como justas. Para elas, a justiça é que é injusta. A existência de pessoas más contradiz a justiça.
"A força sem a justiça é acusada." A força sem a justiça, manifestando a sua força, reduz as outras forças ao silêncio. Quem então acusa a força? Enquanto as pessoas más contradizem a justiça sem força, é a justiça sem a força que acusa a força sem a justiça. Mas de que a justiça acusa a força? A força é a primeira qualidade manifestada pelo partido dominante e continua a ser pela imposição das leis. A força é então a qualidade das leis e, uma vez que estas são tidas como justas, torna-se o conteúdo da justiça (Lazzari, 1993, p. 249). Assim, a justiça sem a força acusa a falta de justiça da força.
"É preciso, pois, por juntas a justiça e a força e, para isso, fazer com que aquilo que é justo seja forte ou que o que é forte seja justo." Mas como colocá-las juntas se até agora o que vimos foi elas operarem em campos opostos? A justiça sem força não pode realizar nenhum ato justo, visto que ela é impotente. E a força sem a justiça só realiza ato de pura força, inclusive fora do seu domínio. A afirmação inicial do fragmento: "é justo que o que é justo seja seguido" é contradita pelas pessoas más: por aqueles que têm a força sem a justiça. Ora, estes, por suas ações, diz que a justiça é injusta. Assim, a força sem a justiça opõe àquela afirmação uma outra: "é injusto que o que é justo seja seguido" (Marin, 1997, p. 121). "É necessário que o que é o mais forte seja seguido": à esta afirmação, também inicial do fragmento, se opõe a justiça que acusa a força. Ora, se a força é acusada pela justiça, é a força que é injusta. A justiça sem força opõe àquela afirmação uma outra: "é injusto que o que é o mais forte seja seguido" (Marin, 1997, p. 121).
A força contradizendo a justiça e a justiça acusando a força mostra claramente que elas se excluem. Havendo exclusão, como "fazer com que aquilo que é justo seja forte ou que o que é forte seja justo"? Para isto é preciso identificar justiça e força, fazendo com que a força passe a ser uma qualidade da justiça ou que a justiça passe a ser uma qualidade da força. É preciso decidir sobre estas duas alternativas. A primeira delas é impossível de ser realizada: "(...) se tivesse sido possível, ter-se-ia posto a força na mão da justiça, mas como a força não se deixa manipular como se quer por se tratar de uma qualidade palpável, ao passo que a justiça é uma qualidade espiritual de que se dispõe como se quer (...)" (La 85; B.878). A justiça, ao contrário da força, é uma idéia: sua qualidade é espiritual enquanto a da força é palpável. Assim, primeiro não se pode obrigar alguém a seguir a justiça, uma vez que sua qualidade é espiritual; segundo, não se atribui uma qualidade palpável ao que só possui uma qualidade espiritual.
"A justiça está sujeita a discussão. A força é bem reconhecível e sem discussão." Por ser uma idéia essencial, a justiça é objeto de discussões polêmicas. Ela é objeto de discurso dos filósofos que desenvolvem inúmeros argumentos pesquisando sobre o que é o justo. A força, ao contrário, não está sujeita a discussão. Ela é "bem reconhecível", sua "qualidade é palpável". Não há um discurso da força, sua qualidade dispensa qualquer discurso. Nem também um discurso contra a força, porque não há argumentos diante do mais forte. Em face dele, os menos fortes se calam. "Isso é admirável: não se quer que eu preste honras a um homem vestido de brocados e seguido de 7 ou 8 lacaios. O quê! Ele mandará me dar correiadas se eu não o saudar. Aquela roupa é uma força (...)" (La 89; B. 315). A roupa, como também o séqüito que acompanha o rei e os vãos instrumentos dos doutores se transformam em signos, e signos da força.
"Assim, não se pôde dar força à justiça, porque a força contradisse a justiça e disse que ela era injusta, e disse que era ela, a força, que era justa." Em primeiro lugar, a força contradisse a justiça ao ser instituída como lei, tornando-se o conteúdo da justiça. Ela então pode dizer que a justiça é injusta e é ela que é justa. Em segundo lugar, a força, que não está sujeita a discussão, tem o direito de falar: "ela disse que...". A força se apropria dos signos da linguagem e passa a se representar em signos. "Ela se converte em sentido". Disso resulta que a força é cada vez menos visível no exercício do poder. E, por isso, o povo acredita estar obedecendo não pela imposição da força, mas a algo perfeitamente legítimo. A apropriação dos signos de linguagem pela força é movida pelo desejo de dominação universal e fora de sua ordem. Representada em signos, a força exerce o seu poder fora do seu domínio (que são as ações exteriores). Com o direito de falar, a força se institui. Ela faz a lei, que é sua lei, e por ela se legitima. Pela lei, que é sua lei, a força se autoriza. Ela tem então o direito de falar porque tem o poder da fala. O discurso da força é, portanto, o discurso do poder (Marin, 1997, p. 125).
A força não discute o que é a justiça e o que é o justo: "ela disse que a justiça era injusta, e disse que era ela que era justa". Justificando a si mesma, a força se apodera da justiça. O mais forte é o justo. É então injusto afrontar a força. Eis aqui o momento de transformação radical no texto. Pascal inicia o fragmento sustentando que: "é justo que o que é justo seja seguido; é necessário que o que é o mais forte seja seguido". Se o mais forte é o justo e se é injusto afrontar a força, é justo que o mais forte seja seguido.
"E assim, não podendo fazer com que o que é justo fosse forte, fez-se com que o que é forte fosse justo." Sujeita a discussões intermináveis, não se pôde fortificar a justiça. Dizendo que é ela que é justa, a força atribui a si mesma uma qualidade espiritual. Aquela que só tinha uma qualidade palpável passou a ter uma qualidade espiritual. Esta não está sujeita a discussão, pois o seu sujeito é a força e não uma idéia. Por essa qualidade espiritual, a força pôde estender o seu domínio a outras ordens. Assim, o que é, na ordem do pensamento, heterogêneo: força e justiça passaram a ser, na ordem do vivido, unidas.
Justificando a si mesma, a força se instituiu, e a justiça passou a ser o seu disfarce. A força, disfarçada em justiça, estabeleceu a ordem no reino da concupiscência: "não se podendo fortificar a justiça, justificou-se a força, a fim de que o justo e o forte estivessem juntos e que houvesse paz, que é o soberano bem" (La 81; B. 299). A paz, no reino da concupiscência, é então fruto da justificação da força. Por isso que a justiça estabelecida deve ser aquela que "previne a sedição", pois, caso contrário, haveria a subversão da ordem, ou seja, a guerra civil: "o pior dos males". Essa paz obtida através da justificação da força, porém, não consegue eliminar a concupiscência, apenas a encobre.
Os homens passaram a conviver em paz, apesar da concupiscência. Mas, para que essa convivência fosse pacífica, foi preciso adequar a justiça ao reino da concupiscência.
fonte- http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2006000200005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

sábado, 1 de outubro de 2011

Buquê

Buquê...

          virgínia fulber * além mar


Sendo o que quer


Criança conquista flor


Além céu e mar
&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&&& 



é demais assisti ao espetáculo, a infância de meu filho foi embalada pelo LP...
Site oficial  http://www.ograndecircomistico.com.br/Grande_Circo.html
Ciranda da Bailarina - Chico Buarque


Procurando bem-Todo mundo tem pereba-Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba-Só a bailarina que não tem
E não tem coceira-Verruga nem frieira-Nem falta de maneira
Ela não tem-Futucando bem-Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina-Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem-Nem unha encardida-Nem dente com comida
Nem casca de ferida-Ela não tem-Não livra ninguém-Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina-Teve escarlatina-Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem-Medo de subir, gente-Medo de cair, gente
Medo de vertigem-Quem não tem-Confessando bem
Todo mundo faz pecado-Logo assim que a missa termina-Todo mundo tem um primeiro namorado-Só a bailarina que não tem-Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha-Calcinha um pouco velha-Ela não tem-O padre também
Pode até ficar vermelho-Se o vento levanta a batina-Reparando bem, todo mundo tem pentelho*Só a bailarina que não tem-Sala sem mobília
Goteira na vasilha-Problema na família-Quem não tem-Procurando bem
Todo mundo tem...-

ouvir in
http://letras.terra.com.br/chico-buarque/85948/