terça-feira, 21 de julho de 2009

Viver - Amauri Ferreira *

Viver
Amauri Ferreira *

Amadurecemos muito mais quando nos relacionamos com aqueles indivíduos que ativam os diferentes “eus” que estão em nós. Isso acontece nas relações que são desprovidas de julgamento, de censura, de vergonha, de cobrança – deixar-se viver, não levando o outro e nem a si mesmo a sério, é tudo o que importa. Não há dúvida de que o lúdico e a inocência dos nossos atos nos dão a confiança necessária para desejar que esses estranhos em nós sejam evocados. Como somos contagiados pela alegria que nasce nos encontros com alguém, certamente o nosso amor pela vida torna o amor que nasce no outro cada vez mais forte... Há um acúmulo recíproco de riquezas e, como conseqüência, podemos até afirmar que praticamente existe uma “disputa” de quem pode doar mais, de quem pode produzir mais. A qualidade da relação não poderia ser avaliada por tudo aquilo que nos desperta, que nos leva à ação e à nossa despersonalização?... Nessas experiências sentimos que somos ora mais jovens, ora mais velhos, e que também somos pais, filhos, homens, mulheres, animais. Protegemos e somos protegidos, ensinamos e aprendemos, esperamos e somos esperados. E, além disso, aprendemos a viver num ritmo em que o tempo cronológico deixa ser a referência do nosso percurso espiritual – assim conquistamos o tempo dos afetos... Isso tudo é exatamente o oposto das relações tristes, que reproduzem o ódio e o ciúme, que envolvem julgamento, censura, vergonha, medo e, em suma, constrangimento da nossa natureza. As relações tristes não cessam de reprimir os nossos “eus” ao reforçar a identidade, a função social, o papel familiar, o lugar no mundo - um mundo cada vez mais desprovido de emoções. Tristeza e falta são apenas conseqüências de uma vida que não aprendeu a rir, que leva demasiado a sério os "problemas-do-cotidiano-que-atormentam-o-seu-euzinho"... Mas quando beijamos os dedos de uma de nossas próprias mãos para, em seguida, encostá-los carinhosamente sobre o peito de alguém que amamos, muita coisa pode ser mudada... Viver é, sobretudo, tocar e ser tocado, e transformar-se, transformar-se, transformar-se...
Amauri Ferreira é Prof de Filosofia da Escola Nômade autor do Livro Introdução à filosofia de Spinoza- Editora Quebra Nozes- e Colaborador do Canal de Filosofia do espaço Ecos Portal VMD

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