"...Foi uma decisão
cultural altamente arriscada a de confiar exclusivamente à razão
subjetiva a estruturação de toda a realidade. Isso implicou numa
verdadeira ditadura da razão que recalcou ou destruíu outras formas de
exercício da razão como a razão sensível, simbólica e ética,
fundamentais para a vida social. ... urge resgatar a razão sensível e cordial para
se compor com a razão instrumental. Aquela se ancora do cérebro
límbico, surgido há mais de duzentos milhões de anos, quando, com os
mamíferos, irrompeu o afeto, a paixão, o cuidado, o amor e o mundo dos
valores. Ela nos permite fazer uma leitura emocional e valorativa dos
dados científicos da razão instrumental. Esta emergiu no cérebro
neocortex há apenas 5-7 milhões de anos. A razão sensível nos desperta o
reencantamento e o cuidado pela vida e pela mãe-Terra...."
Coração ferido: a irracionalidade da razão
por Leonardo Boff -Teólogo/Filósofo
Não
estamos longe da verdade se entendermos a tragédia atual da humanidade
como o fracasso de um tipo de razão predominante nos últimos quinhentos
anos. Com o arsenal de recursos de que dispõe, não consegue dar conta
das contradições, criadas por la mesma. Já analisamos nestas páginas
como se operou a partir de então, a ruptura entre a razão objetiva (a
lógica das coisas) e a razão subjetiva(os interesses do eu). Esta se
sobrepôs àquela a ponto de se instaurar como a exclusiva força de
organização histórico-social.
Esta
razão subjetiva se entendeu como vontade de poder e poder como
dominação sobre pessoas e coisas. A centralidade agora é ocupada pelo
poder do "eu", exclusivo portador de razão e de projeto. Ele gestará o
que lhe é conatural: o individualismo como reafirmação suprema do "eu".
Este ganhará corpo no capitalismo cujo motor é a acumulação privada e
individual sem qualquer outra consideração social ou ecológica. Foi uma
decisão cultural altamente arriscada a de confiar exclusivamente à razão
subjetiva a estruturação de toda a realidade. Isso implicou numa
verdadeira ditadura da razão que recalcou ou destruíu outras formas de
exercício da razão como a razão sensível, simbólica e ética,
fundamentais para a vida social.
O ideal que o "eu" irá perseguir irrefreavelmente será um progresso
ilimitado no pressuposto inquestionável de que os recursos da Terra são
também ilimitados. O infinito do progresso e o infinito dos recursos
constituirão o a priori ontológico e o parti pri fundador desta refundação do mundo.
Mas
eis que depois de quinhentos anos, nos damos conta de que ambos os
infinitos são ilusórios. A Terra é pequena e finita. O progresso tocou
nos limites da Terra. Não há como ultrapassá-los. Agora começou o tempo
do mundo finito. Não respeitar esta finitude, implica tolher a
capacidade de reprodução da vida na Terra e com isso pôr em risco a
sobrevivência da espécie. Cumpriu-se o tempo histórico do capitalismo.
Levá-lo avante custará tanto que acabará por destruir a sociabilidade e o
futuro. A persistir nesse intento, se evidenciará o caráter destrutivo
da irracionalidade da razão.
O mais grave é que o capitalismo/individualismo introduziu duas
lógicas que se conflitam: a dos interesses privados dos “eus” e das
empresas e a dos interesses coletivos do “nós” e da sociedade. O capitalismo é, por natureza, antidemocrático. Não é nada cooperativo e é só competitivo.
Teremos alguma saída? Com apenas reformas e regulações, mantendo o
sistema, como querem os neokeynesianos à la Stiglitz, Krugman e outros
entre nós, não. Temos que mudar se quisermos nos salvar.
Para tal, antes de mais nada, importa construir um novo acordo entre
a razão objetiva a a subjetiva. Isso implica ampliar a razão e assim
libertá-la do jugo de ser instrumento do poder-dominação. Ela pode ser
razão emancipatória. Para o novo acordo, urge resgatar a razão sensível e cordial para
se compor com a razão instrumental. Aquela se ancora do cérebro
límbico, surgido há mais de duzentos milhões de anos, quando, com os
mamíferos, irrompeu o afeto, a paixão, o cuidado, o amor e o mundo dos
valores. Ela nos permite fazer uma leitura emocional e valorativa dos
dados científicos da razão instrumental. Esta emergiu no cérebro
neocortex há apenas 5-7 milhões de anos. A razão sensível nos desperta o
reencantamento e o cuidado pela vida e pela mãe-Terra.
Em seguida, se impõe uma nova centralidade: não mais o interesse privado mas o interesse comum, o respeito aos bens comuns da Humanidade e da Terra destinados a todos. Depois a economia precisa
voltar a ser aquilo que é de sua natureza: garantir as condições da
vida física, cultural e espiritual de todas as pessoas. Em continuidade,
a política deverá se construir sobre uma democracia sem fim,
cotidiana e inclusiva de todos seres humanos para que sejam sujeitos da
história e não meros assistentes ou beneficiários. Por fim, um novo
mundo não terá rosto humano se não se reger por valores ético-espirituais compartidos, na base da contribuição das muitas culturas, junto com a tradição judaico-cristã.
Todos
esses passos possuem muito de utópico. Mas sem a utopia afundaríamos no
pântano dos interesses privados e corporativos. Felizmente, por todas
as partes repontam ensaios, antecipadores do novo, como a economia solidária, a sustentabilidade e o cuidado vividos como paradigmas de perpetuação e reprodução de tudo o que existe e vive. Não renunciamos ao ancestral anseio da comensalidade: todos comendo e bebendo juntos como irmãos e irmãs na Grande Casa Comum.
< *-* >
Leonardo Boff e autor de Virtudes para um outro mundo possível, 3 vol.Vozes 2009.
* Tex. recebido por EMail do Autor para publicação e divulgação , este é Colaborador do Canal de Filosofia do Espaço Ecos - Portal VMD http://www.vaniadiniz.pro.br/espaco_ecos/filosofia_virginia/filosofia.htm
Estimada Virginia, textos como estes abaixo, deveriam fazer parte
ResponderExcluirde todo ser que se diz HUMANO, pois creio que lendo este abaixo,
todos vão fazer uma grande reflexão do que sejam
suas vidas e atitudes aqui no hoje ,agora!
Você foi muito feliz em nos presentear com algo tão grandioso para à alma e vida!
Obrigada,
Efigênia Coutinho